segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Degustação



Existem vaias práticas sociais altamente utilizadas de degustação: seja de um bom vinho, um chocolate, um prato sofisticado, uma carne, enfim, geralmente todas associadas ao paladar.

Mas acredito que degustar não esteja resumido a isso. Como já muitas vezes falado, minha romancista favorita é a Britânica Jane Austen, e todas as vezes que leio qualquer de suas obras, demoro uma eternidade, ao contrário do que acontece com qualquer outro livro.

Isso é por pena que o livro logo termine? Talvez seja também, mas não só isso. Eu realmente degusto as obras dela, sou uma “Janeaustiana” de carteirinha. Adoro a forma como ela retrata a sociedade da época, os diálogos formais, a descrição das roupas e das casas, e aquele romance com um toque de mel, mas com um desenvolvimento harmonioso e apaixonante. Um bom livro, um bom romance e muito bem escrito.

Mas degustar ainda não se limita à leitura. Assim escreveu Rubem Alves em “Sobre simplicidade e Sabedoria”:

“Sabedoria é a arte de degustar. Sobre a sabedoria Nietzsche diz o seguinte: “A palavra grega que designa o sábio se prende, etimologicamente, a sapio, eu saboreio, sapiens, o degustador, sisyphus, o homem do gosto mais apurado. “A sabedoria é, assim, a arte de degustar, distinguir, discernir. O homem do saberes, diante da multiplicidade, “precipita-se sobre tudo o que é possível saber, na cega avidez de querer conhecer a qualquer preço.“ Mas o sábio está à procura das “coisas dignas de serem conhecidas“. Imagine um bufê: sobre a mesa enorme da multiplicidade, uma infinidade de pratos. O homem dos saberes, fascinado pelos pratos, se atira sobre eles: quer comer tudo. O sábio, ao contrário, para e pergunta ao seu corpo: “De toda essa multiplicidade, qual é o prato que vai lhe dar prazer e alegria?“ E assim, depois de meditar, escolhe um...

A sabedoria é a arte de reconhecer e degustar a alegria. Nascemos para a alegria. Não só nós. Diz Bachelard que o universo inteiro tem um destino de felicidade.

(...)

As coisas que restam sobrevivem num lugar da alma que se chama saudade. A saudade é o bolso onde a alma guarda aquilo que ela provou e aprovou. Aprovadas foram as experiências que deram alegria. O que valeu a pena está destinado à eternidade. A saudade é o rosto da eternidade refletido no rio do tempo.”


Degustem mais. Leiam mais. Amem mais. Sejam pessoas mais sábias, mais simples, mas alegres e felizes. Sintam saudade. Saudade das coisas boas que passaram. Aprendam. Aprender a ouvir e a perdoar. Queiram ser pessoas mais cultas, interessadas nas artes pequenas e escondidas. Deixem que o vento bagunce os seus cabelos. Comam mais chocolate: dizem que chocolate deixa as pessoas mais felizes. Tenham amigos em quem confiar. Tenham amores que sejam também amantes. Viva. A vida é agora. Deguste a vida em toda a sua plenitude. E por favor, seja um “Janeaustiano”!

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O Homem Perfeito


Um dos filmes que vi mais vezes (para o desespero da minha irmã!) chama-se "Paixão de Aluguel", no título original "The Perfect Man". A história é sobre uma filha que, cansada de mudar de cidade a cada relacionamento frustrado de sua mãe, inventa um homem perfeito pra que ela se apaixone e elas finalmente não mudem mais, podendo ter uma vida normal.

Mais um exemplo. Hoje fui ao cinema assistir "Novidades no amor". Filme excelente, imprevisível, engraçado e com aquele cara que faz a gente pensar que o mundo é cor de rosa.

Deu pra entender? O cinema, os livros, as novelas, as propagandas, tudo nos leva a crer que o homem perfeito existe. Bobagem. Pura utopia. Até a minha escritora favorita, Jane Austen, tentou me enganar (Nada de Mr. Darcy, meninas!). Acho que até meu conceito de perfeição (perfeito é quando aceitamos a pessoa tal qual ela é) já caiu em desuso.

E quando ficamos encantadas com o convite de um cineminha cult?
E quando nos acompanham em shows que nem ao menos conhecem o artista?
E quando aparecem de surpresa com aquele chocolate?
Só tenho uma coisa a dizer: propaganda enganosa, e expressamente proibida pela legislação brasileira, mais especificamente, no nosso Código de Defesa do Consumidor.

Claro! Mais hora, menos hora, os mocinhos mostram que não caíram de cabeça na sua vida vindo diretamente de um romance Hollywoodiano.

Mas o que seria do amor se ele fosse apenas açúcar??? As pessoas não se conheceriam, um não faria o seu par crescer e nem querer se tornar uma pessoa melhor. Pois é isto que acontece. Gosto de quem me faz crescer, me faz ver que erro, mas que graças a ele eu quero ser alguém melhor, que me faça me sentir viva, que faça meu mundo ter cor! E não só açúcar...

Como cantou a Roberta Sá em seu "Samba de Amor e Ódio",

Não há o bem sem o mal
Nem há amor sem que uma hora
O ódio venha
Bendito ódio,
Ódio que mantém a intensidade do amor
Seu ardor, a densidade do amor, seu vigor
E a outra face do amor vem a flor
Na flor que nasce do amor

Então que se misture o açúcar, o sal, a pimenta e tempere o amor! Porque aí sairá da vida não o homem perfeito, mas o homem real, que vai ser motivo de briga muitas vezes, mas sempre estará lá pra secar suas lágrimas e fazer um cafuné até que você pegue no sono...